Por Thomas Law, conselheiro diretivo da APECC

A pandemia da COVID-19 impõe desafios das mais diferentes naturezas sob um prisma abrangente. É um tema complexo, multifacetado e desafiador, que demanda um olhar multidisciplinar para a compreensão dos fenômenos, a fim de propiciar reflexão crítica e embasada, com discussão de perspectivas e proposição estruturada de medidas e soluções para o enfrentamento do assunto. A reflexão coletiva, colaborativa e transversal se faz necessária para catalisar ações e iniciativas inteligentes, profícuas e efetivas, que proporcionem benefícios coletivos, com sinergias compartilhadas para a sociedade e a economia.
De acordo com a “Pesquisa Pulso Empresa: Impacto da Covid-19 nas Empresas”, realizada em junho pelo IBGE, 522 mil empresas fecharam desde o início da pandemia. Em relação às empresas que se mantiveram em funcionamento, 70% relataram efeitos negativos da pandemia nas suas atividades, 34,6% demitiram funcionários, sendo que, dentre as empresas que reduziram seus quadros, 29,7% cortaram mais da metade dos postos de trabalho. De acordo com os dados divulgados pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – Caged, o Brasil perdeu 1.198.363 vagas de trabalho formal no primeiro semestre de 2020. A gravidade da situação é revelada pela comparação com o primeiro semestre de 2019, quando foram criados 408 mil postos de trabalho formal. A pandemia tem causado grande impacto no funcionamento das empresas brasileiras.
Há um consenso de que as empresas precisam de auxílio para atravessar esse momento de crise aguda e continuar a gerar empregos, tributos, produtos, serviços e riquezas, que são essenciais para a recuperação da economia brasileira. As principais economias mundiais possuem sistemas de insolvência empresarial e oferecem às empresas devedoras o acesso ao processo de recuperação judicial para auxiliá-las a superar a crise. Essa é uma forma efetiva de preservar empregos, negócios, produtos, serviços e circulação de riquezas.
O Brasil também possui um sistema de insolvência empresarial que prevê a recuperação judicial de empresas como ferramenta de superação da crise. O Congresso Nacional aprovou a nova Lei de Falências[3]. O Projeto de Lei n. 4.458/2020 foi aprovado no Senado em 25 de novembro de 2020 e seguirá para sanção presidencial. Tal mudança legislativa tem o condão de ajudar o Brasil a retomar a atividade econômica mais rapidamente, depois dos impactos da pandemia em praticamente todos os setores da economia neste ano.
A nova norma teve como base um projeto de iniciativa do Poder Executivo (PL Nº 10.220/2018), moderniza o sistema de falências e recuperação judicial, alinhando o Brasil às melhores práticas internacionais. Entre os principais benefícios da nova lei está o aumento da segurança jurídica, visto que a legislação modificada não abordou diversos temas ou definiu conceitos relevantes, como o que seria voto abusivo, para o processo de falência e recuperação judicial. Com a alteração, é esperada a redução de litígios, tornando o processo mais célere.
Uma das mudanças apresentadas pelo PL 4.458/2020 é o aumento do prazo de parcelamento dos débitos com a União das empresas em recuperação judicial de sete para dez anos. Além disso, o referido texto regulamenta os empréstimos tomados por essas empresas, uma vez que os novos financiamentos terão preferência de pagamento entre os créditos contraídos no processo de recuperação, isto é, é permitido o financiamento durante a fase de recuperação judicial. Outra novidade: os bens pessoais dos devedores poderão ser usados como garantia, desde que haja autorização judicial.
Por sua vez, o PL 4.458/2020 permite ainda que dívidas trabalhistas sejam incluídas em processos de recuperação extrajudicial, com a condição de que haja aprovação do sindicato da categoria, e que produtores rurais pessoas físicas entrem com pedido de recuperação judicial.
Outra inovação relevante da norma é o reequilíbrio de poder entre credores e devedores. Pelo novo texto, passa a ser facultada aos credores a possibilidade de propor o plano de recuperação judicial. Antes, esse direito era exclusivo dos devedores.
O instrumento de recuperação extrajudicial também foi aperfeiçoado, o que deve beneficiar as microempresas e empresas de pequeno porte, por ser uma alternativa de menor custo. Apesar disso, e de sua maior celeridade quando comparado à recuperação judicial, ele era preterido por trazer requisitos de difícil cumprimento. As modificações aprovadas devem estimular o uso desse instrumento, o que reduzirá o crescente volume de recuperações judiciais e tornará ambos procedimentos mais céleres, eficientes e inclusivos.
Outros ajustes procedimentais foram incluídos na norma para modernizar, desburocratizar e tornar mais cé-
lere o processo de recuperação, como a possibilidade de perícia prévia, deliberações por sistema eletrônico, restrições a impugnações na venda de bens, facilitação do encerramento da falência, etc. Para aumentar a eficiência dos processos, foi incluído na Lei 4.458/2020 previsão de maior rigor no ingresso à recuperação e medidas para estímulo célere de seu encerramento e finalização das falências.
As mudanças vão permitir ampliar o financiamento a empresas em recuperação judicial, executar o parcelamento e o desconto para pagamento de dívidas tributárias e possibilitar aos credores apresentar um plano de recuperação da empresa, entre outras medidas.
Entendemos que a aprovação do PL 4.458/2020 pelo Senado abre uma nova perspectiva para a Recuperação Judicial. As mudanças nos processos recuperatório e falimentar são necessárias diante das amarras e gargalos contidos na Lei 11.101/2005. As principais alterações dizem respeito à dilação do prazo para pagamento das dívidas tributárias, a possibilidade de tomada de recursos financeiros no mercado com o oferecimento de garantias pessoais, da parte dos sócios, além de viabilizar o manejo do pedido de recuperação pelo produtor rural. De certa forma, as alterações decorrem da jurisprudência consolidada nos últimos 15 anos de vigência da Lei de Recuperação Falimentar (LRF). Todavia, há novidades significativas, a exemplo do procedimento pré-judicial para a recuperação e a falência transnacional, o que eleva a lei brasileira ao patamar de igualdade com países sul americanos e europeus. Em tempos de crise, especialmente da pandemia, é mais do que necessário viabilizar a recuperação judicial de empresas em crise econômico-financeira. A nova lei poderá ajudar a melhorar o posicionamento do Brasil no ranking Doing Business, do Banco Mundial, que tem como um dos indicadores a “Resolução de Insolvência.”

Thomas Law é  Doutor em Direito Comercial pela PUC-SP, Mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais da PUC-SP, Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela FAAP, Especialista em Direito Penal Econômico pela GV-LAW, Coach e Árbitro do Willem C. Vis International Commercial Arbitration Moot; membro do UIA – União Internacional de Advogados, membro do IASP- Instituto dos Advogados de São Paulo, conselheiro diretivo da APECC – Associação Paulista dos Empreendedores do Circuito das Compras, consultor da Frente Parlamentar BRICS do Congresso Nacional, Presidente do IBRACHINA – Instituto Sociocultural Brasil e China; Presidente da Coordenação Nacional das Relações Brasil e China na OAB (CNRBC/OAB); Presidente da Comissão Especial Brasil ONU da OAB (CEBRAONU). Advogado.

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