Por Camila Cechinel

Conhecido historicamente como o território com a maior concentração de orientais do Brasil, o bairro da Liberdade, na região central de São Paulo, recebe cerca de 20 mil visitas durante os fins de semana. Além de possuir uma gastronomia bastante atrativa, com comidas típicas do Japão, China, Coreia e Tailândia, e uma grande área de compras, a Feira de Arte, Artesanato e Cultura da Liberdade (Feira da Liberdade) é o grande atrativo local. Com mais de 200 barracas, ela é realizada a céu aberto desde 1974, e muitos dos comerciantes dependem financeiramente da exposição para sobreviverem.

Rosa Yamashita é a artesã mais antiga da Feira da Liberdade. Com 91 anos de idade, há quase 50 ganha a vida participando do evento todos os sábados e domingos. Ela, que começou revendendo bijuterias, hoje comercializa aventais com estampas orientais, panos de prato e toalhas de cozinha. A japonesa, conhecida por todos como uma senhora falante e de humor ácido, conta que a feira mudou bastante da década de 70 para cá. “O começo foi difícil porque era como se fôssemos camelôs. A gente colocava nossas coisas no chão ou em tábuas e cavaletes que pegávamos escondido de um restaurante. Consegui licença para trabalhar com facilidade, mas o senhor Misumoto dizia que minhas bijuterias não eram artesanato”.

Tsuyoshi Misumoto foi o primeiro presidente da Associação dos Lojistas da Liberdade e surgiu dele a ideia de transformar o bairro em um ambiente oriental. A feirinha passou a ser organizada com barracas de comida típica e trabalhos manuais que divulgassem a cultura japonesa. Naquela época, apesar de as comunidades orientais estarem acostumadas com feiras abertas e com comidas de rua, no Brasil ainda ninguém saía de casa para comer nas calçadas. “De 1975 até 1980, a coisa foi feia por aqui. Tinha dia que as vendas não compensavam nem as despesas com combustível e a gente tinha que trazer dinheiro de casa para comer”, relata o artesão Nelson Hadan, que herdou o negócio da família e comercializa bonsais de diversas espécies, dentro e fora da feira, com entregas em lojas de São Paulo.

O presidente da Associação dos Expositores da Feira da Praça da Liberdade, Tsuguo Kondo, que vende yakisoba na exposição, menciona que, somente a partir do momento em que a Feira passou a fazer parte do calendário turístico de São Paulo, o movimento começou a melhorar, chegando aos níveis de hoje. Segundo ele, houve um processo evolutivo de público e a população, no geral, passou a ser mais receptiva à cultura oriental. “Recebemos um fluxo de 10 mil a 20 mil pessoas aos fins de semana. Muitos deles são estrangeiros que vêm para passear e conhecer a feira, mas grande parte são os próprios paulistas, que encontram uma espécie de lazer aqui”, diz. “A feira é de relevância ímpar para os artesãos, pois é fonte de renda para a maioria deles”, relata.

Kondo explica que, desde que a feira foi instaurada, a regra para os comerciantes é vender produtos diferentes, para que não haja concorrência e o evento fique cada vez mais atrativo. Nos casos em que os artesãos trabalham no mesmo segmento, como plantas, por exemplo, as barracas ficam longe umas das outras. “Não existe disputa aqui. A concorrência mais forte é mais com os estabelecimentos da região, que, motivados com o movimento da feira, ficam abertos aos fins de semana. Os restaurantes oferecem pratos por preços camaradas, com conforto e ar-condicionado”, conta. “Mas tudo depende do que o freguês procura: se ele vem para comer na Feira da Liberdade, é isso que ele vai fazer”.

 

Liberdade além da feira

De acordo com Daniel Takaki, jornalista e editor do Jornal Nippak, localizado na Rua da Glória, na Liberdade, o bairro é um caso completamente à parte em termos de comunicação, história e utilização da região. Para ele, é indiscutível a importância econômica da Feira da Liberdade para o país, mas garante que o comércio e os negócios no local vão muito além da feirinha realizada nos fins de semana.

“Por conta da feira, movimentamos de R$ 80,00 a R$ 150,00 por pessoa na Liberdade. É uma representatividade muito grande, mas temos outros atrativos que boa parte dos visitantes desconhece”, diz, explicando que, em termos de turismo, por exemplo, o local tem três características marcantes: gastronomia, comércio e serviços, com mais de 100 agências focadas em atender estrangeiros. “O que predomina aqui são os restaurantes: temos mais de 70 estabelecimentos, a maioria concentrados na Rua Thomaz Gonzaga, oferecendo opções para todos os gostos”, conta. “Também temos um espaço de compras grande e interessante, boa parte ligado à área oriental, pela questão icônica do bairro. No mundo, o turismo depende das compras e as vendas aqui são fantásticas!”.

Para Takaki, infelizmente as pessoas não sabem o tamanho da importância que o Japão tem no Brasil, de tudo o que foi trazido de lá para cá e os grandes investimentos que os orientais fazem aqui. Em relação à chegada dos chineses no bairro da Liberdade, ele é direto: todo mundo precisou se adaptar, mas foi de suma relevância para que a região se reinventasse. “Aqui tem coisas que ninguém presta atenção. É uma troca de culturas e de valores gigante! Temos livrarias com títulos escritos em japonês! É algo fora da curva”.

Outra curiosidade que o comunicador revela em relação à Liberdade é que o bairro funciona 24 horas, com uma mudança de público a cada 5 horas, não havendo nada parecido em nenhuma outra região do país. Ele conta que o dia começa com as senhoras idosas fazendo ginástica na Praça da Liberdade e com os estudantes chegando para assistir às aulas da parte da manhã. Depois, por volta do meio-dia, aparecem as pessoas que vão almoçar e passear. “Entre as 18h e 19h temos os happy hours, as aulas noturnas e a saída dos trabalhadores. A partir das 23h surgem os boêmios, que ficam até de madrugada. Aos fins de semana, é um público completamente diferente, composto, majoritariamente, por turistas”.

 

Ano Novo Chinês – integração cultural entre Brasil e China

Realizada nos dias 9 e 10 de fevereiro na Praça da Liberdade, a 14ª Festa do Ano Novo Chinês é a maior atração cultural chinesa do país. Promovida pela Associação de Amizade Brasil-China (AABC), em conjunto com a prefeitura de São Paulo, a cerimônia marca as relações de amizade sino-brasileira, promovendo um entrosamento entre as nações. Conhecido como o “Festival da Primavera”, o evento contou com atrações culturais como as danças do Dragão e do Leão, artes marciais, massagem, acupuntura, caligrafia e apresentações musicais, além das tradicionais barracas de artesanato e comidas.

O Ano Novo Chinês é comemorado segundo o calendário lunar e corresponde ao ano 4717. Este período é um dos mais importantes para a sociedade chinesa, pois eles fazem uma pausa no trabalho para festejar com a família. Os primeiros registros sobre esta festa têm em torno de 2 mil anos. O rito de passagem de ano tem início semanas antes, quando os chineses costumam limpar seus lares para afastar os maus espíritos. Tradicionalmente, no primeiro dia do ano, as pessoas dedicam-se a visitar parentes e amigos. Pelo zodíaco chinês, 2019 será o Ano do Porco e será regido pela abundância e pela felicidade, com mudanças significativas para todos. Um ano que terá muitos pontos positivos em relação à família, abundância, prosperidade, conforto e realizações.

De acordo com Frank Nakamura, que seguiu os passos da mãe e vende Guioza e Nikuman (espécie de pão japonês cozido no vapor com vários tipos de recheio) na Feira na Liberdade, o Ano Novo Chinês é uma possibilidade de as pessoas terem contato com diversas culturas, uma vez que, além de brasileiros e orientais, a mostra recebe também ingleses, americanos, indianos… pessoas de vários lugares do mundo.

“O Brasil é um país miscigenado desde a sua fundação. Todas as culturas que por aqui passaram, colocaram um pouquinho dos seus comportamentos e costumes, agregando conhecimento e nos transformando no que somos hoje”, diz Nakamura.

Nascida em Fortaleza, a assessora de comunicação Natalie Caratti mora em São Paulo há cinco anos e é cliente assídua da Liberdade, onde, além de frequentar os restaurantes e comércio local, gosta de fazer compras nos mercados japoneses. Pela primeira vez participando das comemorações do Ano Novo Chinês, ela conta que o domingo de sol valeu a pena. “A festa é um evento bonito, essa mistura de povos é interessante e enriqueceu meu repertório cultural. Apesar de a feira estar bastante cheia, consegui assistir a uma atração musical e a uma apresentação de dragões dentro de uma lojinha, perto do Parque da Liberdade”, conta.

 

Roteiro gastronômico

Daniel Takaki comenta que a maioria dos restaurantes existentes no bairro se concentra na Rua Thomaz Gonzaga, que se tornou o endereço da gastronomia na região e ponto de referência da culinária oriental. A rua é pequena e fica a um quarteirão da estação Liberdade do Metrô. Ela tem cerca de 100 metros de extensão, com início no Largo da Pólvora, na Avenida da Liberdade, seguindo até a Rua Galvão Bueno. Alguns restaurantes estão instalados no local desde o início dos anos 70. A seguir algumas opções para o turista que visita a região.

Sushi Yassu – Inaugurado em 1972, é um dos mais antigos e tradicionais da cidade, sendo um dos favoritos dos executivos de empresas japonesas. Oferece salas reservadas ao estilo japonês e serviço à la carte, com destaque para os sushis, sashimis e temakis. Rua Thomaz Gonzaga, 98. www.sushiyassu.com.br

Kenzo Sushi – O restaurante foi montado em maio de 2017 por Takashi Okuno, com a ajuda de suas filhas Cinthia Okuno e Tina Okuno. Com uma arquitetura rica em detalhes, o espaço explora muito bem a atmosfera oriental na sua decoração. É um verdadeiro banquete para os olhos e o paladar. No cardápio, exposto do lado de fora, destaque para o sushi, shashimi, temaki, makimono e combinado. Rua Thomaz Gonzaga, 45F. www.kenzosushi.com.br

Taizan – O cardápio é amplo e diversificado, com mais de 100 itens. Um dos destaque é o frango desossado frito com molho de gengibre, alho e cebolinha. Que tal pedir pratos variados para dividir? Experimente o yakisoba chop suey; a carne fatiada com couve-flor, brócolis, pimentão e cebola; além do arroz com ervilha, cebolinha, presunto e ovo. Rua Galvão Bueno, 554. restaurantetaizan.com.br

• Sushi Isao – Os sabores do Oriente em farto buffet de pratos tradicionais japoneses em ambiente amplo e familiar. A casa é comandada há mais de 30 anos pelo Chef Isao Gushi. Conhecido como o Samurai da Liberdade, Isao reflete sua cultura e anos de experimentações gastronômicas adaptadas ao paladar exigente dos brasileiros. Os toques pessoais e especiais que dá a cada detalhe, desde o Gohan, arroz base da culinária japonesa, até o shoyu, fazem do restaurante o número um em buffet self-service. Rua da Gloria, 111. www.sushiisao.com.br

• Porque Sim – Com cardápio variado, o restaurante oferece carnes empanadas (boi, porco, frango ou peixe), ramen, domburi, sushis e sashimis, chahan guioza (risoto chinês com ovo, carnes e vegetais e gyoza). A maioria dos pratos acompanha salada e misoshiru. No andar superior, tem karaoke box, com serviço. A fila de clientes para garantir uma mesa começa antes mesmo de o restaurante abrir. Rua Tomaz Gonzaga, 75. www.karaokeboxporquesim.com.br

• Spoonful – Em dias ensolarados, seu passeio pode ficar ainda melhor com uma passadinha na Spoonful Handcrafted Creamery. A sorveteria oferece raspadinhas artesanais com frutas e opções variadas de cobertura e sobremesas. O destaque da casa é o sorvete em formato de neve e o café típico oriental. Rua Thomaz Gonzaga, 45G. A casa não tem site, mas faz ampla divulgação em mídias sociais

 

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