O jornal Estadão publicou um artigo feito pelo Diretor de Relações Institucionais da APECC, Dr. Armando Rovai, sobre o direito do consumidor durante a pandemia do novo coronavírus. Dr. Rovai comentou as decisões tomadas por autoridades para evitar as aglomerações no comércio e o aumento da contaminação, além do impacto econômico causado pelas medidas no empresariado. Leia o artigo na íntegra abaixo:

 

Em virtude da pandemia que assola o mundo, matando pessoas e destruindo economias, a maioria dos países, de modo sério e comprometido, tem adotado medidas corretas de prevenção, isolamento e injeção de incentivos na atividade produtiva.

No Brasil, infelizmente, por razões políticas e evidentes interesses pessoais, foram adotadas condutas tumultuadas, atrapalhadas e desorganizadas, com exceção, diga-se a verdade, daqueles gestores estaduais e municipais que, louvavelmente, tomaram desde cedo medidas científicas e racionais de isolamento social, para evitar a contaminação em massa da covid-19.

Contudo, em que pese as barafundas provocadas pela política irresoluta, cismática e inconsequente do poder executivo federal, graças a existência de excelentes quadros nos ministérios da economia e da justiça (incluindo seus respectivos ministros e secretários nacionais), entre outros (como exemplo, o ministério da infraestrutura e saúde), tomou-se medidas certas e prudentes para minimizar os efeitos desta doença altamente contagiosa, em determinados segmentos da economia, com reflexos imediatos na vida dos cidadãos (em especial, na sua condição diária de consumidor), cujos direitos são legalmente garantidos.

Em um momento de crise aguda como esta, as necessárias medidas de isolamento social afetaram principalmente o mercado de turismo (incluindo agências de viagens e companhias aéreas) e de eventos, que organizam shows, apresentações teatrais e festas com grande aglomeração de pessoas em ambientes fechados e com circulação restrita de ar.

Assim, uma questão passou a pairar: como os consumidores que tiveram seus eventos desmarcados, viagens canceladas ou decidiram por não ir, com medo de contágio, deveriam proceder? Foi neste diapasão que o Ministério Público Federal se manifestou para que eventuais desmarcações ocorressem sem a cobrança das respectivas taxas de cancelamento, pois esta conduta seria caracterizada como abusiva em relação ao consumidor.

Exatamente neste sentido que, para dirimir quaisquer outras arestas e controvérsias acerca do assunto, também, foi editada a Medida Provisória nº948/2020, especificamente, “sobre o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e cultura em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19)”.

A referida MP, sinteticamente, prescreveu que as empresas, em virtude de cancelamentos de serviços, de reservas e de eventos, incluídos shows e espetáculos, por causa da pandemia do novo coronavírus, não deverão ser obrigadas a reembolsar os valores pagos pelo consumidor, desde que assegurem ao consumidor: a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos cancelados; a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos, disponíveis nas respectivas empresas; ou outro acordo a ser formalizado com o consumidor. (…)”.

Cabe esclarecer que os empresários que são afetados por esta legislação são, respectivamente, os prestadores de serviços turísticos, cinemas, teatros, plataformas digitais de vendas de ingressos pela internet, em conformidade com a Lei nº 11.771/08, que dispõe sobre a Política Nacional de Turismo e define as atribuições do Governo Federal no planejamento, desenvolvimento e estímulo ao setor turístico.

Vale salientar, por oportuno, a existência de elementos próprios no segmento de turismo, que no caso de remarcação dos serviços, numa das hipóteses acima elencadas, deve observar a sazonalidade do segmento e o valor que foi cobrado originalmente, não podendo haver prejuízos ao cidadão.

Caso seja acordado que o valor pago vai ser disponibilizado ao consumidor, este terá o prazo de 12 meses para utilizar o crédito, porém este prazo só terá o seu termo inicial quando do término do estado de calamidade e o consequente reinício das atividades que foram ora prejudicadas/desmarcadas.

Em consonância com a orientação dos Procons e do Ministério Público Federal, o governo, por meio deste decreto, ratifica que as operações referidas no artigo 2ª da MP948/2020, não podem gerar ônus ou encargos ao consumidor, devendo ser suportada pelas empresas prestadoras dos serviços.

Quanto aos artistas e outros profissionais que tenham sofrido algum cancelamento de evento, a norma traz que estes não serão obrigados a efetuar o reembolso imediato dos valores aos consumidores, devendo o evento/show ser remarcado no prazo de 12 meses, também a contar do encerramento do estado de calamidade pública, decretado pelos governantes.

Nos casos em que o serviço não for remarcado no período legal estipulado, ou seja, descumprido algum dos requisitos legais, a MP impõe que os artistas, empresas, bem como outros profissionais que tenham sido afetados, devolvam o valor ao consumidor, com a devida correção monetária pelo IPCA-E, de acordo com o parágrafo único do artigo 4ª, da estudada Medida Provisória.

Elucidamos que por vivermos uma situação atípica, ou seja, uma pandemia, todas as relações de consumo que são regidas por esta Medida Provisória devem ser enquadradas nas hipóteses legais de caso fortuito ou força maior, não podendo, via de regra, ensejar em condenações por danos morais ou qualquer outra penalidade cabível em situação cotidiana normal.

Deve ser observado, ainda, que para a melhor condução das atividades comerciais e negociais, em geral, os órgãos de defesa do consumidor deverão fiscalizar eventuais práticas abusivas dos empresários, como a cobrança de valores excessivos dos produtos de limpeza e proteção ao contágio.

Por fim, tendo em mente a absoluta necessidade da harmonia, transparência e reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, como elementos fundamentais para o equilíbrio nas relações de consumo, considera-se como essencial a tomada de condutas e atitudes solidárias, por parte de particulares, integrantes da iniciativa privada e do governo, que deverá, principalmente, deixar de lado idiossincrasias tresloucadas, insanas e impulsivas, que podem comprometer a vida humana. A defesa do consumidor, por óbvio, tem de estar ao lado do cidadão e via de consequência, promover e apoiar o isolamento social, enquanto a ciência e os doutos no assunto assim orientarem. A economia é possível de ser retomada, a vida não!

 

Armando Luiz Rovai é doutor em Direito PUC/SP e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie; Paulo Sérgio Nogueira Salles Júnior é graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e mestrando em Direito pela PUC-SP

Fonte: Estadão

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