Foto de capa: Xinhua News Agency

 

Foi no minuto 53 da live do cantor italiano Andrea Bocelli que eu comecei a chorar. Naquele ponto da apresentação, realizada ao vivo em 12 de abril, data do domingo de Páscoa deste ano, o artista já se encontrava sozinho, na porta da Catedral de Milão, o Duomo, cantando Amazing Grace, de John Newton. A música, sobre fé e superação, saía com força e doçura da boca do tenor enquanto eram exibidas imagens de Paris e de outras cidades europeias completamente vazias. Em pleno isolamento por conta da pandemia da Covid-19, da Covid-19, doeu nos olhos, no coração e na alma, ver cenários como os arredores da Torre Eiffel sem um turista ou parisiense sequer. Chorei. Libertei as minhas lágrimas abraçando o meu filho de seis anos, Joaquim, que há algum tempo já sabe que a gente chora por motivos variados, até por uma mistura de tristeza e emoção.

Dias depois, vi uma foto da 25 de Março com todas as suas lojas fechadas. Mais exatamente na esquina com a Ladeira Porto Geral. Uma rua fantasma, sem movimento algum. Na hora, lembrei de Paris e entendi porque havia ficado tão mexida pouco tempo antes: ver locais de tanta vida sem vida alguma é de uma crueldade sem fim.

Cadê aquele monte de gente carregando sacolas a caminho do metrô? Como assim não dá para ver o colorido das vitrines? Onde estão as bijuterias, as fantasias, as peças de tecidos, as bolinhas de sabão flutuando de algum brinquedo, as capas para celular? Onde estava a tradicional 25 de Março como ela é naquele momento, naquela imagem tão fria?

Não chorei, mas me senti paralisada. Confusa e mexida, vendo o mundo virar de cabeça para baixo na tela do computador. Se a rua comercial mais famosa e amada do Brasil estava completamente fechada, estávamos vivendo tempos realmente difíceis. Tudo estava fora de lugar.

A edição da Revista da APECC que sairia em maio, cheia de reportagens lindas sobre o Dia das Mães, data mais importante para o comércio do Circuito das Compras de São Paulo e de todo o país, estava suspensa. Não haveria ninguém na rua para recebê-la. Antes disso, não haveria ninguém, em lugar nenhum, para entrevistar. Em 2020 não teve 25 para comprar o presente das mães. Nem José Paulino, nem Santa Ifigênia, na região central, nem Galvão Bueno, lá na Liberdade.

Doeu ver aquela foto. Mas foi um tipo de dor daquelas que nos fazem despertar, que nos alertam para cuidar da gente, que nos obrigam a ouvir o corpo, a mente, as emoções.

Naquela etapa do caminho, ninguém sabia ainda quando o comércio de rua da maior metrópole brasileira seria reaberto, o que só aconteceria em junho. Era realmente o tempo de parar tudo em nome da vida, da consciência de que precisamos cuidar de nós mesmos e dos outros, do fato simples e objetivo de que não poderíamos adoecer todos ao mesmo tempo, sob pena de colapso na saúde pública e privada. Não havia nada a fazer a não ser….parar.

Parar e esperar. Enfrentar o momento e se adaptar como fosse possível, dentro de um contexto totalmente novo.

Assim foi feito dentro de cada casa, na dinâmica de cada família, com novos modelos de rotina e de relacionamento.

Nossos lares agora são também escritório, escola, centro de recreação infantil 24 horas, academia, estúdio de ioga. Todo mundo teve que reorganizar tudo e sobreviver a uma rotina multiplataforma e multitarefa. Mesmo aqueles que, em razão de suas funções, não puderam parar, tiveram que passar por alguma espécie de adaptação.

Para quem ficou em casa, a ordem era seguir com o trabalho, assumir o acompanhamento das aulas dos filhos, brincar com eles, cuidar da faxina, preparar todas as refeições. E recomeçar tudo no dia seguinte.

Para muita gente ainda houve o dilema da queda brusca na renda, do desemprego, do agravamento dos prego, do agravamento dos problemas emocionais, dos conflitos que ficaram ainda mais evidentes. Contas atrasadas, falta de perspectiva, divórcio, pais cansados, filhos presos e cheios de energia acumulada.

Como você lidou com esse caldeirão? Penso que cada um de nós teve a sua cota de desafio nesta pandemia. E que a todos foi dada, de algum modo, a oportunidade de evoluir. A minha revolução pessoal envolveu o olhar para dentro, o entendimento de quem eu sou, o reforço do meu amor-próprio para assim me relacionar melhor com o meu marido e com os meus filhos. Crescemos todos, seguimos avançando.

A edição atual da Revista da APECC traz muitas histórias de crescimento também. E mostra como tantos homens e mulheres sobreviveram a esse turbilhão. Histórias de força, resiliência, coragem, resistência e reinvenção.

Se você ainda não se sente evoluindo, inspire-se neles e nelas ao mesmo tempo em que começa a olhar generosamente para si mesmo e para aqueles que estão perto de você. Assim como a 25 de Março não é mais um cenário de portas fechadas, a sua vida também não precisa refletir estagnação e medo.

Como disse a cantora, pianista e compositora norte-americana Nina Simone (1933-2003) em uma das suas frases mais famosas, “liberdade é não ter medo”. Livres, acima de tudo, sejamos.

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